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Índio?! Quem é Primitivo? - Parte 2



A Noção de Sucesso

Rosa passou dez anos acompanhando o dia-a-da de várias tribos brasileiras, e diz que acabou descobrindo que sucesso é mais que um trabalho bem feito, reconhecido e recompensado.

A vida, diz ela, é mais simples do que imaginava. "Meu trabalho era tudo para mim, mas entendi com eles que não é preciso muito para ser feliz. Apenas ter amigos, comida, amor e paz de espírito".

Não há noções ocidentais e capitalistas como triunfo, competição e sucesso. É verdade que essas metas motivaram grandes avanços na nossa hisória. Mas não dá para negar seus efeitos colaterais, como a ansiedade, o estresse e uma lista infinita de doenças relacionadas.

Cada grupo indígena, obviamente, possui seus próprios costumes e tradições. Mas de modo geral vivem em comunidades onde prevalece a igualdade.

Exceto por algumas lideranças políticas, como caciques e pajés, ninguém é mais importante. "O nosso mundo, não tem essa de um ser mais rico. Para quê? Ter riqueza e ficar sozinho? Que besteira." - diz Siridiwê, xavante e diretor da ONG Instituto das Tradições Indígenas, de São Paulo.

Também não há a ideia de trabalho como conhecemos. trabalha-se claro, mas pela sobrevivência, isto é, por comida e abrigo. Em Wederã, homens e mulheres desempenham funções distintas, mas de igual mérito. Não se acumulam ou se guardam objetos e alimentos para o futuro.

Quando sentem fome, já que não têm o hábito de plantar, partem em busca de caça no cerrado. Se estão satisfeitos, deitam-se à tarde nas portas das casas feitas de folhas de piaçaba e passam horas a conversar e rir das brincadeira das crianças.

Para mim, foi difícil entender como um povo sem posses pode ser tão tranquilo. Preguiçosos, vagabundos? Que nada. "Enquanto sentimos um constante e opressor medo do tempo e do futuro, os índios encaram a vida com menos angústia, com desprendimentos e desapego. Isso é algo valioso para se aprender", afirma nosso amigo, professor Eduardo.


O Tempo de Cada Um

Índios não possuem calendário. Não de forma como conhecemos, da folhinha que nos diz se hoje e quinta-feira ou domingo. Nem relógio. Esse tempinho nosso de cada dia não existe para eles. Marcam o tempo de forma muito mais ampla, de acordo com os ciclos da natureza, do Sol ou da Lua.

Para os xavantes, que habitam uma região com longos períodos de seca e de chuvas, a chegada de gafanhotos e passarinhos aponta quando as estações estão mudando.

Siridiwê, que mora em São Paulo há alguns anos, confessa que não entende como nós, seres urbanos, não conseguimos enxegar os dedos da natureza em nosso cotidiano. "Se você tem uma reunião importante, mas chove e tudo fica alagado, você xinga o mundo. Caramba, a natureza está dizendo que não dá, está chovendo. A única solução boa é se manter calmo".

Nem as grávidas xavantes sabem ao certo quando seus bebês irão nascer. "Vai nascer quando chegar a hora", responde, tranquila, uma índia com um enorme barrigão e uma warazu de relógio no pulso e ansiedade na alma.

Como então sabem o momento em que um jovem tem de ser iniciado nos rituais de passagem para a vida adulta? "Não importa a idade. Ele deve estar maduro, indepentemente de ter 13 ou 18 anos", afirma Paulo.

Por não terem escrita e guardarem as tradições apenas oralmente, os índios dedicam muito respeito aos mais velhos.

No warã dos xavantes, quem fala primeiro são os anciãos, que desempenham o papel de conselheiros da aldeia, recebem cuidados e atenção especiais, assim como as crianças. Mas isso não significa superproteção.

As crianças circulam em grupos só dela por toda a aldeia. Quando brigam, os pais geralmente deixam que resolvam sozinhos seus conflitos, para aprenderem a amadurecer por si mesmas. Mas ensinam e cuidam dos rebentos de perto.

Infelizmente, com nossa vida agitada, somos obrigados a nos afastar de nossos filhos. Quando têm problemas, levamos ao psicólogo para ele, sim, resolvê-los,  e perdemos uma das mais belas preciosidades da vida, que é ver as crias crescerem.

Sem riquezas, sem calendário, sem sobrenome, sem preocupação com o amanhã. Com esse estilo de vida meio zen, obviamente com problemas e falhas como qualquer outra organização social, o que significa felicidade para um índio? Ou melhor, o que é sucesso?

"Não existe para nós esse conceito de sucesso, de ter de conseguir coisas e sentir-se acima dos outros", afirma Paulo. "Sucesso é ter comida. Poder chegar à velhice com histórias para repassar aos mais novos. Viver em paz na aldeia. Isso basta para a gente ser feliz", disse-me ele.

Depois dessa frase dei por encerrada minha expedição à aldeia. Os xavantes dividiram comigo o que tinham de mais precioso.


Fim.:.


Leia Também...

Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, ed. Companhia das Letras.

Visão do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda, ed. Brasiliense.

Raízes do Povo Xavante - Tradição e Rituais, com fotos de Rosa Gauditano, Studio R



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Aranel Ithil Dior