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Psicologia
Viver em comunidade, desfrutar o presente e nem saber o que é estresse. O cotidiano de uma tribo xavante tem muito a ensinar aos caras-pálidas civilizado.
Lá na aldeia xavante onde mora, o Paulo tem lugar de destaque. Ele é cacique. Mas é difícil saber disso se ninguém contar, porque o Paulo não ostenta nenhum sinal especial. Na sua aldeia, a Wederã, no interior do Mato Grosso, o Paulo se veste como os outros, vive como os outros. Nenhuma distinção, nem mesmo o sobrenome, que lá ninguém tem, ou por ser mais velho que os demais (ele nem sabe a própria idade).
Se conhecesse o Paulo, você podia até achar que a vida dele é digna de um cacique. O sujeito faz as coisas quando tem vontade. Como quando está com fome, dorme quando está cansado, se diverte quando acha que é a hora, enfim, vive tranquilião, com uma expressão no rosto que lembra aquelas estátuas de Buda.
Depois de alguns dias convivendo com o Paulo e sua tribo, eu, já ansiosa com tanta serenidade, perguntei a ele se não havia nada que o deixasse estressado. Sua resposta não poderia ser mais desconcertante. "Não entendo direito o que é isso. Compreendo o significado da palavra, já me explicaram, mas não consigo saber o que é exatamente".
E não é só ele. Lá na aldeia, a vida do Paulo não é exclusiva do cacique, não. Todo mundo vive assim. Para eles, isso é a vida.
A aldeia Wederã abriga pouco mais de 50 pessoas, em um dos últimos trechos intactos de cerrado do Brasil. O primeiro contato com os brancos (warazu, na língua xavante) foi há apenas 60 anos e os mais velhos inclusive se lembram do encontro. Mas, apesar das havianas nos pés e dos shorts Adidas, Paulo e sua gente preservaram sua vida de índio.
Pouquíssimos falam português, os antigos rituais são realizados do mesmo modo e, o mais imortante, todos conservam o jeito de ser indígena que emocionou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. No clássico Tristes Trópicos, ele descreveu assim, seu encontro com os nhambquaras:
"Pressentimos em todos uma imensa gentileza, uma profunda despreocupação, uma ingênua e encantadora satisfação animal e, reunindo esses sentimentos diversos, algo como a expressão mais comovente e mais verídica da ternura humana".
Bonito, né?!
Você deve estar se perguntando o que, afinal, esse papo de índio tem a ver com você. Muita coisa, se soubermos olhar com sensiblidae e sem preconceito para a vida desses povos. Calma, ninguém aqui está sugerindo que você abandone sua casa e vá viver no meio da floresta de short Adidas.
Vida de índio não é a melhor coisa do mundo. Não para nós, que nascemos e crescemos na cidade e gostamos dos confortos que a urbanização oferece. Mas basta acompanhar um dia da tribo, a vida comunitária e as brincadeiras das crianças, para ver que eles preservaram um jeito de ver a vida que parece atraente para qualquer ocidental bem-sucedido.
Por que somos assim?
É preciso olhar bem lá atrás na hstória para entender como ficamos tão diferentes. Bem lá atrás, mesmo, 10 mil anos atrás, que foi quando a humanidade inventou a agricultura, começou a criar animais e passou a viver em cidades. Foram passos importantíssimos para a humanidade, com consequências fundamentais.
À medida que nos civilizamos, nos refinamos com o passar dos séculos, fomos nos afastando de nossa dimensão mais primitiva, de animais integrados à natureza. E a natureza, de mãe, passou a inimiga. Isso os índios jamais perderam.
Esquecemos que somos bichos, passamos a acumular riquezas, inventamos a propriedade privada, a divisão do trabalho, as classes sociais. E, principalmente, trocamos de vez as pequenas comunidades, onde todos se protegiam e comungavam dos mesmos ideais, por sociedades maiores, com visões e "tribos" fragmentadas.
Um Por Todos
Sem dúvida tornamos-nos mais solitários. O modelo de família criado na Revolução Industrial, há 250 anos, e que prevalece até hoje, é extremamente reduzido, composto no máximo de pai, mãe e dois filhos. As cidades abrigam um exército de seres isolados. Só que o homem não nasceu para viver sozinho.
Nada mais distante da tribo Wederã. Ali, todos estão pela comunidade. E a comunidade está por todos. Todo dia, ao amanhecer e ao entardecer, os xavantes se reúnem para conversar. Nessa espécie de terapia em grupo, chamada warã, eles debatem os problemas do cotidiano.
Está com raiva de alguém. Sua casa precisa de reparos? A mulher anda muito briguenta? Ninguém arreda o pé do centro da aldeia enquanto não encontrar as melhores soluções.
Sem nunca terem ouvido falar em Freud, sacaram há muito tempo os benefícios de um bom diálogo. Nem os forasteiros escapam: qualquer um que chega de fora tem de se apresentar e contar alguns detalhes de sua história pessoal.
O warã é a sustentação da tribo. Não existe rancor, picuinha, pois tudo ali é discutido.
Continua...