Apogeu e Declínio
"A partir de 1150, o progresso da Ordem é claro", diz Knox. Para o historiador, a ordem tinha uma vantagem na desorganização que era a Terra Santa na época: ao contrário das grandes famílias de nobres, a morte individual de membros ou herdeiros era incapaz de destruí-la, e as batalhas vencidas não traziam reputação para um único membro, mas para toda a confraria.
São vantagens aliás, compartilhadas pelo outro grupo de monges-guerreiros da época, os hospitalários, com os quais os templários tinham de conviver na Palestina e o Ocidente. O grupo surgiu algumas décadas antes do Templo e seus propósitos iniciais eram, como o nome indica, dar assistência médica e espiritual aos peregrinos que chegavam a Jerusalém. Com o problema da insegurança, porém, ela passou a oferecer também outro serviço: escolta pelos caminhos da Palestina.
De forma parecida com o Templo, foi ganhando controle de fortalezas e castelos. Não é à toa que as duas ordens tenham sido rivais e batido cabeça de vez em quando.
O dia-a-dia dos templários, a julgar pela regra da ordem, não era muito diferente do de qualquer outro monge. As normas eram duras. Havia dezenas de orações a serem pronunciadas diariamente, e datas semanais e anuais de abstinência de carne ou jejum total. Era proibido fazer a barba, caçar (leões eram permitidos), possuir mais de 3 cavalos (o grão-mestre podia ter 4) e, principalmente, ter qualquer contato com mulheres.
A paranóia em relação ao sexo feminino é típica da Idade Média, mas a regra templária era extremamente rígida. Eis o que diz: " A companhia de mulheres é uma coisa perigosa, pois por causa dela o velho Diabo tem desviado muitos do reto caminho do paraíso." E ainda especificava as mulheres que não se devia beijar: "Viúva, moça, mãe, irmã tia ou outra qualquer".
Os domitórios tinham de ficar sempre iluminados de dia ou de noite e era preciso dormir de calças e botas - supostamente para que os cavaleiros estivessem sempre prontos para sair à luta.
Em batalha, os templários eram sempre os primeiros a avançar e os últimos a recuar, e a ordem normalmente não pagava resgates caso um de seus homens fosse capturado. Na prática, isso significava que sempre uma sentença de morte para o cavaleiro aprisionado. As punições para quem fizesse algo errado em batalha eram severas: ser açoitado, posto a ferros ou obrigado a comer comida do chão, feito cachorro. Os detalhes da ordem não podiam ser comentados fora do mosteiro: ela gostava de manter segredo sobre seus planos, o que deu munição, mais tarde, para que seus inimigos afirmassem que ela praticava rituais sinistro ou imorais.
A prosperidade da ordem fez os templários se afastar da missão inicial: proteger os peregrinos. Ao lado dos hospitalários, os cavaleiros do Templo se tornaram a espinha dorsal do Exército do Reino de Jerusalém. No Ocidente, a ordem virou o protótipo dos bancos atuais, emprestando seus consideráveis bens a juros.
[Nota: Nos primórdios dos bancos europeus - quando a expressão "fazer um depósito" significava literalmente depositar metais preciosos, cereais ou até escravos numa instalação segura pra que eles fossem guardados -, os templários desempenhavam papel fundamental para a economia do Ocidente e da Terra Santa. é difícil saber exatamente como eles acabaram abraçando esse negócio, embora a própria natureza da ordem favorecesse esse caminho, de certa forma.
"Assim como aconteceu em outra épocas em cidades como Veneza e Gênova, estar dividido entre dois centros econômicos parece levar de forma bastante natural à necessidade de desenvolver mecanismos para transferir grandes quantidades de dinheiro entre um lugar e outro", diz Ellis, "Skip" Knox, da Universidade de Boise, EUA.
Os serviços oferecidos pela ordem eram variados e, segundo a reputação deles na época, confiáveis. Um nobre que fizesse uma doação em dinheiro ou terra para os templários podia estipular, por exemplo, que a quantia ou o imóvel devia ser utilizado para prover o sustento de sua esposa e filhos quando ele morresse.
Quem depositasse bens numa casa templária do Ocidente e rumasse para a Terra Santa tinha o direito de retirar quantias equivalentes quando chegasse lá. E, por quase sempre dispor de somas substanciais de dinheiro vivo, a ordem estava em posição privilegiada de realizar empréstimos, criando uma clientela fiel entre a alta nobreza e o clero. Um detalhe interessante é que os empréstimos, claro, eram feitos a juros - prática condenada oficialmente pela igreja da época.]
A nova situação da ordem atraiu críticas. Muita gente começou a achar estranho que sujeitos auto-nominados de "pobres cavaleiros de Cristo" fossem donos de cerca de 9 mil propriedades na Europa e Palestina. Já os soberanos de Jerusalém, depois de perceber que precisavam negociar com os muçulmanos se quisessem permanece na região, reclamavam da desobediência e da teimosia dos templários.
"Intolerantes? Com certeza, embora até os templários estivessem dispostos a lutar ao lado de mulçulmanos se um perigo maior estivesse presente. Teimosos? Sim, e eram famosos por isso. Temerários? Bem, sim, mas muitos outros cavaleiros também o eram. As pessoas da época, inclusive os muçulmanos, chamavam isso de bravura", diz Knox.
O fato é que as supostas falhas de caráter dos templários não foram tão importantes enquanto o reino de Jerusalém estava bem politicamente. A situação, porém, foi se alterando ao longo dos anos de 1170, com a chegada ao poder do líder muçulmano Saladino. Ele conseguiu trazer para o seu controle tanto a Síria quanto o Egito, deixando as terras cruzadas, na prática, cercadas por um único império.
O estopim para a guerra total veio quando uma força liderada pelo filho de Saladino pediu permissão para atravessar pacificamente a Galiléia e o senhor da região, Raimundo de Trípoli, a concedeu.
Mas o grão-mestre de então Gérard de Ridefort, ao saber do fato, resolveu emboscar os islâmicos. Tanto o chefe dos hospitalários quanto o vice de Ridefort, marechal Jacques de Mailly, tentaram fazer com que ele desistisse, porque o Exército muçulmano era grande. Ridefort acusou a dupla de covardia e ainda cutucou Mailly: "Vós amais em demasia vossa cabeça loura para querer perdê-la". E partiu para o ataque com só 90 cavaleiros.
Se havia algum covarde ali, certamente não era Jacques de Mailly, que morreu lutando no mesmo dia. Já Ridefort tomou uma sova e fugiu, enquanto o furioso Saladino reunia sua força total para atacar o reino. A batalha decisiva varreu do mapa as forças cristãs. Saladino poupou o rei e o grão-mestre dos templários, mas não os demais monges-cavaleiros. Ao amanhecer, 230 cavaleiros do Templo foram decapitados. Em 2 de outubro de 1187, Saladino entrou triunfalmente em Jerusalém.
Não era o fim - ainda. Os cristãos mantiveram algumas possessões no litoral da Palestina e foram reconquistando o território, chegando até a retomar Jerusalém por um tempo. Ao longo do século 13, porém , as forças se tornaram dependentes da vinda constante de cruzados da Europa e da desorganização dos muçulmanos. O reino foi se tornando cada vez mais pequeno e mudou sua capital para a cisade de Acre, onde recaiu ao ataque decisivo muçulmano, em 1291.
A bravura da ordem se revelou como nunca: o próprio grão-mestre, Guilherme de Beaujeu, morreu em combate. Quando os cristãos evacuaram a Terra Santa, a última fortaleza a resistir, por cerca de 12 anos, era templária e ficava na ilha de Ruad. No fim, porém, a única saída foi abandoná-la.
Continua...