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História das Religiões
Para combater os insurgentes, foi deslocado ninguém menos que Ieyasu Tokugawa, o homem que mais tarde se tornaria xogum, comandante supremo no Japão, e unificaria o país. E sua ação foi avassaladora. Em 1564 ele já havia retomado a província e queimado todos os templos dos religiosos fundamentalistas.
Os sacerdotes do Monte Hiei também não gostaram do surgimento das novas seitas, em especial uma chamada Nichiren-shu, que havia se fixado em Kyoto. em 1567, então, o "dragão" despertou e os monges de Hiei tomaram Kyoto de assalto, incendiando 21 templo do grupo rival.
Revitalizados pela ofensiva, os sohei de Hiei decidiram entrar com tudo na disputa pelo poder político. Aliaram-se a um dos clâs em guerra para, como haviam feito antes, colher os dividendos depois. só que desta vez os monges apostaram no cavalo errado...
Oda Nogunaga, um dos mais fortes líderes que brigavam pela hegemonia do país e um autêntico mão-de-ferro, derrotou o clã apoiado pelos sohei e decidiu utilizar os sacerdotes do Monte Hiei como exemplo para todos aqueles que desafiassem seu poder.
Assim, em 1571, reuniu um exécito de 30 mil homens e atacou o templo da montanha. A resistência foi feroz, mas sob flechas e fogo os monges finalmente sucumbiram. Calcula-se que mais de 20 mil habitantes de Hiei foram mortos naquele dia. Centenas deles, quando encurralados, atiraram-se às chamas entoando frases budistas como: "Concentremos nossas mentes. Àgua fervendo ou fogo não são piores do que a brisa refrescante".
Não satisfeito, Oda partiu para cima dos outros templos de sohei que ainda estavam de pé - para ele, que havia perdido um irmão em lutas anteriores com os monges, era questão de honra limpar a terra de todas as seitas militares.
O golpe de misercórdia, entretanto, veio quando Ieyasu Tokugawa tornou-se xogum, no início do século 17. Enquanto os sohei se enfraqueciam combatendo uns aos outros, Tokugawa coibiu a prática de artes marciais nos templos, restrigindo a contenda entre os monges ao plano religioso.
O Budismo continuaria a exercer grande influência no Japão, sim, mas nunca mais as seitas religiosas teriam papel militar no país. Findava ali a era das castas guerreiras. E como a fumaça de umincenso que se esvai, os sohei, com suas afiadíssimas naginatas, desaperaceram para sempre.
Mezzo-Mosteiro, Mezzo-Quartel
Quando não estavam cortando as cabeças dos adversários em combate, o cotidiano dos monges era regido por extrema disciplina.
Irmão Gaspar Vilela, um missionário jesuíta que visitou as instalações de um dos templos, em 1570, descreveu os monges guerreiros como sendo "muito parecidos com os Cavaleiros de Rodes" (denominação posterior da Ordem dos Hospitalários, que defendeu a Ilha de Rodes, na Grécia, com unhas e dentes, contra o sultão Suleiman em 1522).
Para ele, os monges "eram devotados e preparados para lutar por sua fé". Segundo afirmou, a alimentação dos sohei obedecia aos princípios da moderação. Geralmente, os monges comiam apenas uma ou duas vezes por dia, e o cardápio básico consistia de pequenas porções de arroz, peixe, vegetais, algas marinhas ou frutas.
De vez em quando, a refeição era acrescida de carne de veado, de javali ou pássaros. O jesuíta também deixou relatos sobre o treinamento diário dos sohei. Além das tradicionais obrigações religiosas e comunitárias, cada monge tinha que preparar de cinco a sete flechas por dia, além de tomar poarte em competições com o arco ao menos uma vez por semana. Seus elmos, armaduras e lanças eram assustadoramente resistentes, e "suas afiadíssimas espadas podiam facilmente cortar um homem em dois, mesmo que ele estivesse utilizando armadura".
O treinamento diário era severo, "e a morte ocasional de alguns deles durante a prática era aceita sem nenhuma emoção", atestou o jesuíta. Mas um aspecto considerado chocante por Vilela foi constatar que, ao contrário da doutrina monástica ocidental, os sacerdotes guerreiros tinham acesso a bebida - não abriam mão de doses de saquê - mulheres e música.
O Monge dos Monges
A bravura e a perícia dos sohei eram reconhecidas por todos, inclusive pelo próprio Musashi, considerado o maior samurai da história do Japão: após muito custo para vencer um dos monges, ele se declarou altamente impressionado com a técnica de luta dos sacerdotes guerreiros. E, dentre todos, o lendário Benkei é tido como o verdadeiro arquétipo da estirpe de combatentes de Buda.
Originalmente, Benkei fazia parte da tradicional comunidade de Enryakuji, no Monte Hiei, mas foi expulso por mau comportamento. Então, decidiu se isolar, transformando sua casa num mosteiro-de-um-homem-só.
Originalmente, Benkei fazia parte da tradicional comunidade de Enryakuji, no Monte Hiei, mas foi expulso por mau comportamento. Então, decidiu se isolar, transformando sua casa num mosteiro-de-um-homem-só.
Um dia, porém, Benkei pôde demonstrar a honra que todos pensavam que não tinha. No ano 1189, durante uma batalha, o general a quem servia foi derrotado e precisava de paz para poder realizar dignamente seu haraquiri, o suicídio ritual. E foi Benkei quem lhe garantiu os minutos de que precisava: com a naginata em punho, repeliu todos os inimigos do general.
Flechado impiedosamente, até parecer um porco-espinho, Benkei permaneceu em pé até que seus inimigos não ousaram mais se aproximar. Finalmente, um deles reparou no inimaginável: Benkei já estava morto, mas permanecera de pé. Com um detalhe: cumprira seu objetivo.
Fim.:.
Referências Bibliográficas
Livros
A History of Japan 1334-1615, de George Bailey Sansom, ed. Stanford University Press, 1991.
Japanese Warrior Monks Ad 949-1603, de Stpehn Turnbull, ed. Osprey Publishing, 2003.
Filmes
O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, distr. Columbia Pictures, 2000.