Combatentes disciplinados os sohei eram monges que como verdadeiros samurais, por séculos representaram uma das principais forças políticas e militares do Japão.
O ano era 1180, e os ventos da guerra assolavam o Japão. Dois clãs, os Minamotos e os Tairas, dividiam o país entre si. Porém, na sufocante manhã de 23 de junho, os rivais dividiam também o espaço na longa parte de Uji, na província de Iga, cada um postado de um lado.
Há dias os Tairas perseguiam o exército dos Minamotos, que já estava prestes a capitular, e agora bastava apenas atravessar a ponte para exterminar seus inimigos.
A vitória dos Tairas parecia fácil e rápida, mas havia um problema. Escoltando os Minamotos estavam monges budistas do Templo de Miidori, próximo a Kyoto. Acontece que eles não eram simples religiosos nem defenderiam seus protegidos com rezas e meditações. Tratava-se dos lendários sohei: monges guerreiros especialistas em artes marciais e exímios lutadores em vários tipos de armas.
Assim, de posse de suas temíveis naginatas, espadas afiadíssimas com longos cabos de madeira, os sohei postaram-se no meio da ponte e calmamente aguardaram a investida dos Tairas.
Então, como uma grande onda veio o ataque. Foi nesse momento que, segundo a obra clássica Heike Monogatari (A História de Heike), escrita no século 13, os monges demonstraram sua técnica insuperável.
À frente dos companheiros, Gochin No Tajima empunhou sua naginata e barrou a passagem dos guerreiros Tairas, que, intimidados, não ousavam avançar. Preferiram descarregar uma chuva de flechas. Sem se perturbar, Taji-ma abaixava, pulava e desviava de cada uma das setas dirigidas a ele. E se a flecha vinha certeira, ele simplesmente girava sua espada e a cortava ao meio.
Diante da resistência, o ataque ficou ainda mais feroz. Sim, mas desta vez outro monge, Tsutsui Jomyo Meishu, um mestre no caro, assumiu a defesa da ponte e "disparou suas 24 flechas como um raio, matando 12 e ferindo outros 11".
Em seguida avançou com sua naginata para cima dos inimigos, derrubando vários oponentes, até que a arma se quebrou. Impassível, sacou outra espada e mais nove inimigos foram ceifados antes da nova arma ficar inutilizada.
Só lhe restava agora um pequeno punhal, com o qual lutou até ser obrigado a retornar às fileiras. E para desgraça dos Tairas, foi imediatamente substituído por Ichirai Hoshi, que realizou outros prodígios antes de cair sem vida.
A batalha prosseguiu por horas. Quando já caía a noite, porém a esmagadora superioridade numérica dos Tairas conseguiu impor sua vitória. Mas o ato de coragem, auto-sacrifício e suprema abnegação dos monges de Miidori correu o Japão. E virou história.
Contrastando com a imagem pacífica que todos têm do Budismo hoje, no período entre os séculos 10 e 17 pacifismo e tolerância eram o que menos se poderia esperar das seitas budistas que floresceram no Japão.
Encastelados em seus magníficos templos-fortaleza, os monges mantinham verdadeiros exércitos privados e, durante séculos, influenciaram decisivamente a vida política, social e militar japonesa.
A origem desta casta guerreira pode ser explicada pelo desenvolvimento do Budismo no Japão. Após aportar no país vinda da China, por volta do século 6, a doutrina budista foi se misturando à religião nativa, o Xintoísmo, com a qual convivia pacificamente. As deidades xintoístas, chamadas de kamis, por exemplo, forma logo incorporadas pelo credo estrangeiro como manifestações do próprio Buda.
Em pouco tempo, a nova religião criava raízes até na família real e os templos budistas ao redor de Nara, capital do país no século 7, cresceram em importância. Não demorou muito e o prestígio religioso se transformou também em influência política. Até aí, tudo corria bem...
Porém, em 794, um evento alteraria o equilíbrio de poder no país: a capital moveu-se de Nara para Kyoto (onde ficou até 1868, quando foi transferida para Tóquio). Antes da transferência, os arquitetos reais utilizaram os princípios do feng-shui - a técnica oriental de harmonização de ambientes - para assegurar que a nova região era propícia ao imperador.
Sim, a região de Kyoto era boa, com exceção de um ponto frágil, o nordeste, por onde um demônio poderia assaltar a cidade. Acontece, que, para sorte do imperador, justatmente naquele local de fragilidade, conhecido como Monte Hiei, havia sido erguido um pequeno templo budista, chamado Enryakuji.
O novo santuário foi visto como um sinal de bom agouro e, com a efetiva mudança da capital, os sacerdotes de Enryakuji viram seu prestígio crescer rapidamente, e logo eram eles que conduziam as cerimônias da família real, para inveja dos religiosos de Nara, até então titulares nestas funções.
A animosidade entre os dois centros cresceu e, por volta do século 10, finalmente, chegou às vias de fato.
Continua...