A vida de José Mindlin, o empresário que ergueu com amor e humor a maior biblioteca particular do país.
A rua Princesa Isabel, no bairro do Brooklin, em São Paulo, não era nem calçada quando o casal Guita e José Mindlin se mudou para lá, já perfaziam 57 anos.
(Quintal de Mindlin, brincando com seus netos)
Ali, no quintal da nova casa, os dois encontraram um pé de jabuticaba. À sua volta, o casal plantou seu jardim: jarmins, orquídeas e outras plantas encheram de vida, a casa em todos esses anos.
Em 1985, uma parte desse jardim, bem próximo à jabuticabeira, cedeu lugar a um pavilhão feito de tijolo, cimento e pedras.
(Antiga biblioteca na casa de José Mindlin)
E dentro dele uma outra árvore, cuja semente já tinha sido plantada muitos anos antes, floresceu: a maior biblioteca particular do Brasil, composta de ao menos 38 mil títulos, boa parte deles em edições tão raras que algumas chegam a ser mais antigas que o Brasil.
A biblioteca de José Mindlin resulta de seu amor pela leitura, que despertou nele a busca pelos livros (e pelos livros que faltavam dos livros), as sagas por obtê-los, o prazer de olhá-los, manuseá-lo, suscitando assim – e sempre – um conjunto de emoções especiais que resultou numa paixão incansável por publicações.
(José Mindlin e sua "loucura mansa")
A ponto dele mesmo, o maior bibliófilo brasileiro, resumir como sendo “uma loucura mansa”.
Árvore das Letras
José Mindlin nasceu em São Paulo.
Foi o terceiro entre os quatro filhos de um casal de russos que imigraram para o Brasil no final do século 19.
(Mindlin aos 10 anos)
“Mas se falava português na minha casa”, conta ele.
Tinha 13 anos quando, em 1927, já fuçava livrarias e sebos e comprava seus primeiros livros.
(A rua dos sebos em São Paulo, já andei muito por ali também... Bons tempos...! Estes ficam ao lado da Catedral da Sé)
Entre eles, um que contava a história do Brasil e que estava recheado de indicações bibliográficas. Que Mindlin seguiu, pois, queria saber mais. Escreveu para várias livrarias, perguntando pelas obras citadas que já eram, na época, bem raras.
(Livraria Francisco Alves, que após tantas mudanças econômicas ainda continua de portas abertas. Viva!)
Recebeu apenas uma resposta. Veio da Livraria Francisco Alves, no Rio de Janeiro que lhe ofereceu uma edição chamada História do Brasil, publicada em seis volumes, em 1862.
(Livros comercializados pela Livraria Francisco Alves, que com o tempo, se especializou em títulos raros)
“Meus pais me deram de presente. Aí, sim, foi o começo da história", escreveu Mindlin em seu livrinho Memórias Esparsas de uma Biblioteca.
Na época, claro, Mindlin não planejava a biblioteca.
“Fui me interessando cada vez mais por leitura, descobrindo autores, e daí em diante foi ladeira abaixo.”
Ladeira abaixo em busca de livros e livros que atendessem à necessidade de um leitor compulsivo, “meio indisciplinado”, costumava dizer, pelo fato de nunca ter se dedicado a um ou outro assunto exclusivamente.
Amante de literatura estrangeira e brasileira e mais de tudo aquilo que se relaciona ao Brasil (história, artes, ciências, literatura de viagens), Mindlin diz ter sido picado por uma mosca, responsável pela transmissão do vírus da leitura.
“Que só me faz bem, e é incurável”, conta ele.
(Antigo exemplar do Estadão, este é de alguns dias antes de meu irmão mais velho nascer, meu pai colecionava o jornal, pois era um tipógrafo)
Chegou a trabalhar como redator do jornal O Estado de S.Paulo com 16 anos. Mas se bandeou para a advocacia. Passou boa parte das suas aulas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – USP, lendo sem parar.
(O sempi eterno prédio de Direito da USP, onde Mindlin e sua esposa estudaram)
Ali conheceu a moça de nome Guita Kauffmann.
(Guita e José Mindlin compartilhando mais uma paixão juntos: os livros)
Quando a viu pela primeira vez, ela estava cercada por moços que tentavam convencê-la a se inscrever em algum partido estudantil.
(José Mindlin e Guita)
“Olhei para aquela confusão, ela no meio. Então me aproximei e disse-lhe que tudo aquilo era bobagem, que o bom partido dali era eu...!”, conta Mindlin.
Os dois se casaram em seguida e tiveram quatro filhos: Betty, Diana, Sérgio e Sônia.
Deles vieram os 10 netos – e mais 7 bisnetos. Todos crescendo à sombra da imensa biblioteca.
(Mindlin e sua bisneta Joaquina)
Guita e José Mindlin estão juntos há pelo menos 67 anos. Isso sim é o que ele define como legítima “fidelidade partidária”.
Em Guita Mindlin encontrou uma parceria na vida, em suas andanças em busca dos livros.“Nunca precisei esconder um livro no jardim antes de chegar em casa”, diz. Como fazia, lembra, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que os escondia na cozinha, antes de entrar em casa, para que Maria Amélia, sua esposa, não os notasse.
(José Mindlin lendo poesias para Guita)
“Não que ela não gostasse dos livros. Mas há de levar em consideração que este é um vício que pode colocar em risco o orçamento familiar”, diz Mindlin.
(Guita restaurando os livros da biblioteca)
Há muita cumplicidade entre os dois. Se Mindlin mergulhou fundo na procura de obras raras, Guita especializou-se em restauração de livros.Outro exemplo: ele adora ler poesias em voz alta, enquanto o que ela gosta é de sentar-se para ouvir poesias.
Continua...