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Dom Diniz
A Queda
Um desastre como a perda da Terra Santa costuma ser a deixa para buscar um bode expiratório, e boa parte dos dedos da Europa se puseram a apontar para os templários e hospitalários. A falta de obediência, a rivalidade entre elas e até uma suposta falta de coragem foram duramente criticadas, e muitos intelectuais e religiosos propunham que elas fossem fundidas, ou então dissolvidas para que se criasse uma nova ordem. Os templários, liderados por um novo grão-mestre, Jacques de Molay, resistiram a essas medidas. E, por algum tempo, o papado ficou do lado deles, ajudando mesmo a arrecadar novos fundos para combates no Oriente.
Na época, a França era o reino mais poderoso da Europa, e seu soberano, Filipe, o Belo, tinha seus próprios planos para o papado e os templários. Sua influência sobre a Igreja levou à eleição de um francês, Clemente 5º, como papa em 1305.
Clemente nem chegou a ir para Roma, passando toda a sua carreira na França. Logo ficou claro que Filipe exercia pressão para garantir seus interesses.
Um dos projetos do rei era unir as ordens, de preferência transformando a si mesmo em grão-mestre, e assim liderar uma nova cruzada para retomar Jerusalém. O plano não foi em frente e Filipe decidiu tomar medidas drásticas: em 1307, ordenou secretamente a prisão de todos os 15 mil templários da França. As razões exatas para que resolvesse acabar com o Templo não são muito claras, mas tudo indica que ele desejava tomar posse das consideráveis propriedades deles e talvez visse as derrotas da Terra Santa como uma deixa propícia para atacar.
O próprio Jacques de Molay foi preso dias depois de ajudar a carregar o caixão da cunhada do rei. Para ter uma idéia da ingenuidade do chefe templário, ele tinha pedido ao papa, no mesmo ano, que investigasse alguns boatos caluniosos contra os templários - pelo o que podemos concluir, já era a campanha difamatória de Filipe em ação. A acusação oficial era previsível: heresia.
Crimes "horríveis de contemplar, terríveis de ouvir, uma obra abominável, uma desgraça detestável, uma coisa inumana, na verdade desprezada por toda a humanidade", diz a ordem de prisão.
A linguagem deixa claro que tudo não passava de perseguição política. Era uma receita prática para se livrar de gente incômoda. Tanto é assim que as acusações - renegar Cristo e cuspir em suas imagens, praticar sodomia ritual e adorar um misterioso ídolo de 3 cabeças ou com forma de gato ou bode chamado Baphomet - aparecem, com poucas mudanças, em todos os outros processos contra heréticos da época. Quase nenhum historiador vê traços de verdade nessas histórias.
Há quem suponha que Baphomet fosse, na verdade, a relíquia de algum santo, ou que a negação de Cristo fosse parte de técnicas templárias para escapar com vida das prisões muçulmanas fingindo ter se convertido, mas a história da ordem não parece apoiar essas especulações.
O fato é que até o papa Clemente 5° criticou as prisões arbitrárias. Um processo papal foi instalado para averiguar as acusações - muitos templários confessaram sua culpa induzidos por tortura e depois voltaram atrás diante dos enviados de Clemente. A idéia foi corajosa, mas resultou na morte de 54 mortes da ordem: segundo as regras da Inquisição, hereges confessos que voltassem atrás deveriam ser imediatamente executados. Jacques de Molay, que era analfabeto e pelo visto não muito estrategista, disse que não tinha estudo suficiente para servir de advogado da ordem. ficou à espera de que o papa o salvasse.
A investigação papal em toda a Eurpa achou pouquíssimas provas de heresia. Mas a pressão de Filipe continuava, e Clemente 5º acabou concordando com a dissolução da ordem em 1311. O rei conseguiu alguns bens dos templários, mas de forma clandestina: a decisão do papa foi legá-los aos hospitlários, enquanto os ex-cavaleiros entravam para mosteiros de outras ordens ou se tornavam mercenários.
Mesmo extintos, os templários ainda dariam origem a mais uma lenda: a de que a perseguição apenas fez os membros mais importantes sair de cena e continuar a promover seus interesses místicos em segredo. Para isso, teriam se ligado ao Priorado de Sião, uma ordem que permaneceria até hoje e que teria tido, entre seus líderes, o pintor Leonardo Da Vinci e o físico Isaac Newton.
O grupo guardaria os principais segredos da origem do cristianismo, como o Graal e a linhagem de supostos descendentes de Jesus e Maria Madalena. A história, divulgada em livros como O Código da Vinci, é uma das principais rsponsáveis pelo renascimento do interesse nos templários. O problema é que documentos que provem a existência do Priorado de Sião são raríssimos, e os que os ligam aos templários, inexistentes. Para os pesquisadores, nada disso faz sentido, mas a dúvida ainda continua, seduzindo até os mais céticos em muitos pontos dessa história.
[Nota: "Todo louco mais cedo ou mais tarde acaba vindo com essa dos templários. Há também loucos sem templários, mas os de templários são mais traiçoeiros", diz um dos personagens do romance O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco.
Tantas obras com tão poucas pesquisas foram escritas sobre esses cavaleiros nos últimos 250 anos que quase se tem a impressão e que toda a conspiração precisa de alguma forma envolver a ordem. A maçonaria, por exemplo, teria se originado de mestres pedreiros que aprenderam com os templários as técnicas secretas que guiaram a construção do Templo de Salomão.
Os supostos rituais heréticos em torno de Baphomet seriam, na verdade, a adoração da cabeça embalsamada de Jesus Cristo. A lista não tem fim, mas até onde os historiadores puderam pesquisar, não há nenhuma evidência confiável nessas teorias.
Mas por que, justamente os templários despertariam tantas lendas? Um dos fatores que deve ter estimulado é a paixão dos escritores românticos do século 19 por coisas medievais, pois os mitos, na verdade, se originaram nessa época.
Outro fator é a falta de fontes sobre os anos iniciais dos templários. Isso dá aos criadores de lendas muito espaço para trabalhar. O fim a ordem também não ajudou: várias da acusações falsas feitas a eles por Filipe, o Belo, acabaram reforçando a idéia de que os cavaleiros seguiam algum tipo de culto místico pré-cristão. E a lenda permanece até hoje...]
O fim dos templários, no entanto, não foi desprovido de mistério. Na cadeia, Jacques de Molay e seu companheiro Geoffroy de Charney tiveram um último gesto de coragem: renegaram sua confissão de heresia. E, numa pequena ilha do rio Sena, os dois pereceram na fogueira em 1314. Reza a lenda que Jacques de Molay convocou o rei e o papa a comparecer diante do tribunal de Deus antes que o ano terminasse. Pelo visto, praga de templário pega: Filipe o Belo, e Clemente 5º morreram antes de 1314 findasse.
[Nota: A perseguição não atingiu da mesma maneira os templários de toda a Europa. Fora da França, a tortura foi menos usada para extrair confissões dos cavaleiros. Por isso, pode-se supor que foi com a honra intacta que alguns deles ingressaram na nova ordem criada por Dom Dinis, rei de Portugal, em 1318: A Ordem de Cristo.
Na verdade, não há consenso entre os historiadores sobre a composição da nova confraria: para alguns, os templários portugueses (presentes no país desde os tempos de Hugo de Payns) teriam trocado de nome. De qualquer maneira, a Ordem de Cristo herdou todas as propriedades e fortalezas de sua antecessora, assim como os votos de pobreza, castidade e obediência (ao rei de Portugal).
Ao longo do século seguinte, os consideráveis recursos militares e econômicos da ordem, que passou a ser comandada pelo infante (príncipe) Dom Henrique, foram direcionados para a expansão marítima portuguesa, que estava ganhando impulso.
A Ordem de Cristo ganharia soberenia sobre os territórios que conquistasse na África, bem como direito a 5% do valor das mercadorias vinda da região.
Novas mudanças liberavam os cavaleiros de seu voto de castidade e pobreza, permitindo que navegadores como Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama se tornassem membros da Ordem de Cristo.
Os navios que aportaram no Brasil pela primeira vez traziam em suas velas o emblema da confraria, aparentemente uma versão modificada da antiga cruz templária.]
Referências Bibliográficas
Os Templários, de Piers Paul Read , ed. Imago, 2000
Templários - Os Cavaleiros de Deus, de Alain Demurger, ed. Jorge Zahar, 2002
História Ilustrada das Cruzadas - W.B.Bartlett, Ediouro, 2003
Carta de São Bernardo ao Fundador dos Templários - faculty.smu.edu/bwheeler/chivalry/bernard.html
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